Cinema pernambucano ou cinema em Pernambuco?

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:: Na edição de fevereiro deste ano, a revista Monet publicou uma matéria minha sobre a prolífica cena do cinema feito em Pernambuco. Tinha como gancho a estreia de Avenida Brasília Formosa no Canal Brasil. Coloco aqui no blog agora o texto que foi publicado então na revista. Naturalmente, algumas informações estão bem desatualizadas: O Som ao Redor não mais está em cartaz e vários dos filmes que ainda estavam em produção já foram concluídos (tais como Tatuagem, de Hilton Lacerda, e Amor, Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro). De qualquer maneira, por não deixar de fazer cada vez mais sentido, achei legal deixar registrado aqui a conversa que tive com alguns diretores. A foto acima, tirada no Cinema São Luiz, é de Rafael Medeiros::

No começo dos anos 90, um tal “maracatu de tiro certeiro” acertou no peito da música popular brasileira. Mas a bala, em vez de matar, ressuscitou e reascendeu uma adormecida euforia por um jovem rock made in Brazil. Estamos falando do manguebeat, movimento que nasceu no Recife e que de certa forma foi brotado em torno de um manifesto escrito pelo músico Fred 04. Mais de duas décadas depois, é também com cheiro de maresia pernambucana que sopra um outro fenômeno cultural no país. Só que, desta vez, ele não vem com manifesto, proposta estética ou ideológica. Semelhante ao manguebeat, ele vem para desfazer a ordem. Mas onde queres música, ele é cinema.

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Gravidade, de Alfonso Cuarón

Gravity

O novo filme do mexicano Alfonso Cuarón é um daqueles títulos que para sempre serão lembrados na história do cinema por ter criado um novo paradigma de efeitos especiais. Tal como um dia foi Viagem à Lua, de Meliés, em 1902. Pois agora, 111 anos depois, Cuarón decide jogar o homem em nova viagem espacial para dar, ele próprio, seu grande salto na arte do ilusionismo. E que salto.

Estamos falando de um filme pipocão, escrito nos moldes Syd Field dos dois pontos de virada, três atos, lição de moral, sentimentalismos e o combo inteiro de uma história que aperta os botões certos para disparar nossas reações mais imediatas. Ruim? Sim e não. “Sim” se você quiser levar mesmo esse filme a sério como uma questão filosófica a lidar com temas do tipo renascimento, corpo, lar. Nesse aspecto, ignorem qualquer comparação com 2001, o filme de Kubrick. “Não” se você entender que Gravidade é tão-somente um excelente filme de ação com imagens nunca dantes navegadas pelo cinema. Cenas que irão te fazer contorcer dentro da sala.

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Serra Pelada, de Heitor Dhalia

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:: Filme de encerramento do Festival do Rio ::

No fundo, a cor de barro e terra que cobre homens em um gigante garimpo. Sobreposto, o título do filme, Serra Pelada, preenchido por cenas de arquivo de um azul desbotado, com telejornais anunciando uma nova alvorada da caça ao ouro no Brasil no sul do Pará. As letras crescem e tomam logo a tela inteira. Com grandiloquência e plasticidade, anunciam a partir de imagens reais o trabalho mais monumental de Heitor Dhalia. Monumental no sentido do tamanho de ser um longa de muitos cenários abertos com centenas de figurantes, tomadas de helicóptero e, claro, a direção de arte de uma produção de época. Essa abertura toda garbosa diz muito do que é este mais novo trabalho de Heitor Dhalia: estamos diante de um filme moreno, alto, bonito e sensual. Mas a exemplo dos tipos que reúnem todas essas qualidades, o embrulho é muitas vezes disfarce para problemas sérios que existem ali dentro.

Resgate fictício importante de um período histórico no Brasil quando, no começo dos anos 80, criou-se nessa região o maior garimpo a céu aberto do mundo, o filme de Dhalia é vigoroso nessa tentativa de dar identidade visual ao que antes a gente só lembrava por algumas fotos de Sebastião Salgado ou mesmo pelo filme dos Trapalhões em 82. Usa esse cenário como pano de fundo para a história de dois amigos que saem de São Paulo decididos a ficarem ricos em Serra Pelada. São eles Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade). Como já sabemos, graças a um plano fechado na cara de Juliano logo na primeira cena do filme, que as coisas não saíram exatamente como planejado, é de se esperar todo tipo de conflito que irá surgir desse sonho dourado.

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Um Estranho no Lago, de Alain Guiraudie

Estranho no Lago

:: Filme na programação do Festival do Rio ::

A estranheza que já se encontra no título desse filme é uma daquelas que vai ficando cada vez mais obscura à medida em que você se afasta da história. Em outra palavras, Um Estranho no Lago cresce muito na sua cabeça somente algumas horas, ou dias, depois da sessão. O que por si só já é um mérito do trabalho. O novo longa de Alain Guiraudie finge ser uma história de amor para, na verdade, ser um perturbador suspense. Ou seria o contrário? De qualquer maneira, é um filme que lembra aqueles bons capítulos de Agatha Christie no sentido de usar um crime para alertar sobre disfunções sociais em grupos de pessoas que vivem em aparentes enseadas emocionais.

Enseada esta que, neste caso específico, é muito bem ilustrada pelo lago em questão, um tipo de oásis idílico em algum lugar da França onde homens gays vão tomar banho de sol, nadar e, se possível, fazer sexo com estranhos em um bosque atrás da praia. Franck (Pierre Deladonchamps) é um frequentador habitual desse lago. Em um novo verão, ele conhece um homem mais velho chamado Henri (Patrick d’Assumçao), personagem sempre isolado dos demais por, estranhamente, não ser gay e estar sempre vestido (todos os demais homens são vistos nus). Henri é um homem de poucas palavras, mas percebe em Franck uma companhia agradável e que, ao contrário dos demais, não o julga.

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Tatuagem, de Hilton Lacerda

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:: Filme na programação do Festival do Rio ::
:: Filme na programação do Janela de Cinema ::

Entrevista com Hilton Lacerda
Entrevista com Irandhir Santos

Gente que pede a benção, que conta números, que paga as contas, que quer perder peso, que obedece ordens, que espera o sinal abrir e quando o sinal abre a pessoa fica lá, parada, pensando na benção, nos números, nas contas, no peso e nas ordens. E aí vem Hilton Lacerda com sua Tatuagem buzinar desordem em versos musicados nos nossos ouvidos. Se o sinal está verde, é hora de sair do carro e deixar as máquinas em ponto morto pra que você não fique morto também.

Tatuagem é um filme que tem tudo a ver com o que vivemos (ou apenas vemos) hoje nas ruas do país e do mundo inteiro. É alguém te puxando o travesseiro onde antes te cabia o minifúndio do grito. Sem o escudo do abafo, sua voz ecoa e, como diria Caetano, ganha liberdade na amplidão.

Abertamente inspirado nas experiências do Vivencial, grupo de teatro “das Olinda” dos anos 70, o primeiro longa dirigido por Hilton (roteirista maior da filmografia suburbana de Cláudio Assis) joga com as pequenas guerras da humanidade em favor da paz. Sem julgar, ele coloca no mesmo campo, e às vezes no mesmo corpo, a TFP e o desbunde, a mulher e o homem, a Lua e o Sol, o terço e a purpurina. Porque, e o diretor/roteirista parece entender isso muito bem, todo dia só começa quando bate a meia-noite.

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