Guerras Sujas, de Rick Rowley

DirtyWars

:: Filme na programação do Festival do Rio ::

Filme badalado, presença confirmada de um dos nomes mais famosos hoje do mundo (Gleen Greenwald, um dos dois jornalistas que publicaram as informações de Edward Snowden sobre o sistema de vigilância da NSA sobre o mundo inteiro) e um protagonista jovem e bonito (e com a aura de jornalista independente) também disposto a conversar com o público. A primeira sessão de Guerras Sujas no Brasil era dessas com fila que ia lá longe pra fora do cinema. O “auê” se justificou durante e após a sessão.

Por motivos completamente distintos: primeiro porque o filme tem sim um conteúdo super importante, inédito, jornalístico e muitas vezes chocante e segundo porque, enquanto cinema, ele é sintomático a esse estilo pop-americano dos documentários de protagonistas-narradores-heróis. Ainda bem, porque se Guerras Sujas tivesse o conteúdo que tem com um cinema mais sério em estilo Corações e Mentes, eu não sobreviveria a esta sessão.

Serei curta, portanto. Guerras Sujas é necessário de se ver. A quantidade de informação que o repórter Jeremy Scahill coleta durante o filme, e as filmagens que Rick Rowley faz de todos esses anos de apuração de dados em lugares como Iraque, Afeganistão, Iémen e Somália (com exceção do Iémen, todas as demais “locações” deste filme foram de altíssimos risco pra ambos repórter e câmera) impressiona não apenas pelo volume, mas pela ordem bastante simples e lógica do argumento que ele vai construindo no doc: a de que os Estados Unidos se retroalimentam de guerras e que, para tanto, estão dispostos a matar indiscrimidamente, preventivamente (a lógica Minority Report exterminando crianças e adolescentes) e onde quer que seja (mesmo em países com os quais eles não estão em conflito bélico).

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Salvo, de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza

salvo

:: Filme na programação do Festival do Rio ::

Os primeiros 15, 20 minutos deste filme valem por um semestre inteiro de qualquer aula sobre como fazer cinema. A fotografia, a luz, os movimentos de câmera, os planos-sequência, a montagem e, sobretudo o som – gente, o som – crescem na tela como se estivéssemos no ato final de uma ópera. Os músculos contraem, os olhos abrem, a respiração fica em suspenso. Estamos hipnotizados, o mundo lá fora inexiste, cumpre-se a função imersiva do cinema.

O filme de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, premiado pela crítica em Cannes este ano, é cinema da cabeça aos pés, e podem acreditar que isso pode ser dito de poucos filmes hoje em dia. Essa sequência inicial envolve tiros à queima roupa e dá conta da introdução à história de um matador à caça de uma presa. Entre ele e seu alvo há uma jovem mulher, a irmã do procurado. Rita, ela se chama. É cega. E o que podia se tornar mais uma dessas “experiências sensoriais” com trilhas difusas e confusas do ponto de vista de quem não enxerga, vira um trabalho com força de faca, sem barroquismo, porém com o volume lá em cima.

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Nebraska, de Alexander Payne

Nebraska

:: Filme na programação do Festival do Rio ::

Simpático é uma palavra com muita frequência usada para, elegantemente, chamar um filme de café com leite. Prefiro portanto ficar com gentil. Nebraska é um filme que passa esse limite do simpático e é, de fato, gentil, mas não chega a ser tão perspicaz em seu humanismo quanto filmes anteriores do diretor. O novo trabalho de Alexander Payne (Sideways e Os Descendentes) é obsequioso com essa sutil relação que se estabelece entre pais e filhos ao longo de uma vida, mas cai em lugares comuns ao fazer a crítica desses Estados Unidos indolente diante da TV e ironicamente paralisado pela religião dos automóveis.

Trata-se de semi road movie, semi porque as paradas são mais importantes que a viagem, de um filho que leva sei pai para retirar um “prêmio” de um milhão de dólares que, na verdade, ele nunca ganhou. O prêmio é um daqueles panfletos publicitários do tipo: “você é o nosso milionésimo visitante, clique aqui para ganhar 1 milhão”. Mas Woody Grant, interpretado com muita força por Bruce Dern, está convencido de que finalmente poderá comprar sua caminhonete nova e um compressor de ar. Resta ao seu filho mais atencioso, David (um trabalho bem bom do ator de comédias Will Forte), deixar seu pai viver um pouco essa que possivelmente deve ser sua primeira e última fantasia em vida.

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Nós Somos os Melhores, de Lukas Moodysson

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:: Filme na programação do Festival do Rio ::

Lukas Moodysson tem uma mão boa para lidar com toda aquela bagunça emocional/hormonal de meninas entre a pré-adolescência e a adolescência em si. Prova 1: Amigas de Colégio (1998), um raríssimo filme excelente em uma muito fraca filmografia lésbica, se é que ela existe. Prova 2: Lilya 4-Ever (2002), um título tenso e bem menos otimista que Amigas de Colégio, mas tão precioso quanto. Prova 3: Nós Somos os Melhores (título brasileiro estranhamente traduzido em gênero masculino), seu mais novo filme, não tão cuidadoso quanto os dois primeiros citados, mas certamente um respiro daquela rebeldia genuína e espontânea desse entrelugar entre a infância e a vida adulta, aqui no corpo de três meninas que, em meados dos anos 80, ainda acreditam no punk.

Digo respiro porque é preciso se livrar um pouco das marcações de cena em filmes com adolescentes. E Moodysson sabe fazer isso. Não apenas porque consegue dirigir as meninas e deixar elas à vontade, mas porque é tão inquieto em sua câmera quanto elas. E sim, o zoom é sempre seu amigo. E outra, vamos combinar: no esplendor dos sintetizadores e das pistas de dança, um argumento que traz meninas entre 12 e 13 anos que decidem montar uma banda punk é algo que, isoladamente, já merece toda nossa atenção.

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Um Time Show de Bola, de Juan José Campanella

Metegol

:: Filme na programação do Festival do Rio 2013 ::

É bem verdade que qualquer coisa que venha embalada na expressão “show de bola” vai me levar a correr distâncias dela. Mas considerando que a culpa neste caso é mesmo daquele sabido time de marketing que nasceu pra fazer as chamadas da Sessão da Tarde, há de se perdoar que o novo filme de Juan José Campanella (aquele que ganhou o Oscar por O Segredo de seus Olhos) e primeiro longa de animação estilo superprodução da Argentina tenha sido assim batizado no Brasil. E outra, apesar de argentino, o time vitorioso nesse filme veste verde e amarelo (?!). Portanto, é preciso aliviar.

A animação de Campanella, que monta o filme inteiro e ainda dubla quatro personagens na versão original em espanhol (mas é claro que as cópias aqui no Brasil já foram dubladas) é uma história sobre um menino com sérios problemas de autoestima que, com um jogo de totó/pebolim tentará evitar que sua cidade seja destruída por interesses imobiliários de um jogador de futebol megalomaníaco que ainda não conseguiu se recuperar da única derrota de sua vida. Confuso? Eu também achei. Mas esse aí é mais ou menos o argumento do filme.
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Eu, Anna, de Barnaby Southcombe

Eu, Anna

Que fique claro antes de mais nada que qualquer filme, série, capa de revista, festa de aniversário ou chá de bebê com a presença de Charlotte Rampling tende a ser uma experiência, no mínimo, agradável. E ainda que agradável não seja uma palavra adequada para definir o mais novo filme protagonizado por ela, Eu, Anna não seria o instigante thriller que é não fosse a força dramática dessa atriz inglesa. Ela e seus olhos baixos, tristes, seu sorriso melancólico, suas pernas finas, mais uma vez dão corpo a uma femme fatale. Dessas que, como a expressão em francês sustenta, piscam “problema” na testa.

Eu, Anna é um filme de Rampling. Conduzido e dominado por ela. Tal como parece ser inerente à própria intérprete, a personagem se deixa revelar muito lentamente, com frequência nos induzindo à dúvida sobre sua aparente fragilidade. Anna Welles é uma senhora que vemos pela primeira vez saindo de um gigante edifício residencial londrino que só não é mais impessoal que aqueles condomínios da decalogia de Kiewsloswki. Sua relação com aquele prédio vai se costurando à medida em que o roteiro nos apresenta alguns flashbacks sugestivos.

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