Twin Peaks, de David Lynch (por Laura Palmer)

Laura

Há dois anos, por ocasião da reexibição de Twin Peaks na TV por assinatura, fiz um texto para a revista Monet em nome de Laura Palmer, usando como base o estilo de narrativa publicado no livro que traz seus diários (O Diário Secreto de Laura Palmer, editora Globo). Com o aguardado lançamento da série inteira em blu-ray no próximo mês de julho, decidi rever esse texto aqui no blog.

Por Laura Palmer, em 2012.

Querido diário,

Já se vão mais de 22 anos desde que meu corpo foi encontrado nas águas geladas de Twin Peaks. Enrolada em plástico transparente, como um presente que precisa de embrulho especial para não quebrar no caminho. Não me queixo. Você bem sabe, diário, que esse desfecho seria tudo menos uma surpresa diante daquilo que sofri nos meus últimos anos de vida. Mas volto a te escrever, de algum lugar distante, para dizer que finalmente estou voltando.

Estou disposta a rever todas aquelas pessoas que, após a minha morte, revelaram suas verdadeiras faces. Rostos obscuros e obtusos de Twin Peaks, a cidade cujo silêncio nos enlouquece. Cuja loucura nos une. Sinto gratidão por ter tido essa história contada por alguém que, tal como você, querido diário, soube entender tão bem essa minha disfarçada sanidade de filha exemplar, aluna popular, namorada perfeita e amante devota. Sim, David Lynch, estou falando de você.

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Praia do Futuro, de Karim Ainouz

praia do futuro 2

Dois dos mais famosos poemas brasileiros falam sobre os caminhos imaginados de quem quer partir e de quem, tendo partido, deseja a todo custo voltar. Manuel Bandeira projetava seu exílio numa Pasárgada idílica onde seria, sobretudo, amado. Gonçalves Dias, por sua vez, clama à uma deidade que sua morte não venha antes que ele possa pisar novamente na terra das palmeiras onde canta o sabiá. Sair ou voltar de onde se nasce, seja para dentro ou fora deste país, é um tema que persegue nossa consciência nacional. Faz parte de nosso capital cultural a sensação de estar simultaneamente arraigado e deslocado de sua terra. Transitamos entre.

É esse o lugar do novo filme de Karim Ainouz. Aqui, ele faz do meio do caminho o único caminho possível. Não estranhamente, essa história começa e se encerra com longos percursos de homens em cima de motos. Estamos diante da ausência de pessoas que parecem nunca saber exatamente onde estão porque o trajeto é um fim em si mesmo. Mas essa ausência, como diria outro poeta brasileiro, Drummond, não é falta. É um estar. Praia do Futuro é a presença latente do vácuo. Tudo que estar por vir é, na verdade, aquilo que já foi embora. O futuro de Karim é um ensaio sobre esse ato de esvaziar e a possibilidade de que, assim, tudo se preencha novamente. Tal como um mar que, na Alemanha, se seca em algum momento do dia. A água vai voltar, e o mar se refazer. Quanto aos homens, não necessariamente eles concluem esse ciclo.

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