Ela, de Spike Jonze

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Ela é um filme tão bom quanto um peça publicitária que te convence a precisar urgentemente de um produto não por aquilo que ele é, mas pelo que ele pode ajudar você a ser. Não digo com isso que se trata de um filme charlatão, ou mesmo um filme sem cinema dentro dele, até porque existem reais qualidades cinematográficas nessa história. Digo sim que se trata de um filme que se vende como uma fábula filosófica pronta para ser extensivamente debatida por colunas de opinião quando, na verdade, é uma fábula sobre os caminhos e processos que hoje levamos para debater essas questões pretensamente filosóficas engolidas como cápsulas de sabedoria instantânea. Ou seja, não são as questões, mas como – com que ritmo e estética – as perguntas são feitas.

É em elementos como o apartamento de decoração modulada, o escritório clean e o figurino e bigode hipster do protagonista que estão os verdadeiros debates desse novo trabalho de Spike Jonze. Para colocar na mesa temas como solidão, carência afetiva, conceito de amor e particularmente a crescente sensação de que não mais existimos fora do ambiente virtual, Jonze usa a mesmíssima moldura que adotam os cartazes hoje compartilhados pela timeline mais próxima de você. Tudo é agradável, limpo, às vezes até fofo, a luz tem com frequência um filtro nostálgico, mas, claro, uma nostalgia esterilizada pelo digital. É o futuro tal como ele foi desenhado pela Apple ou pelo Google Glass. Vejo mais conteúdo no uso dessa estética como mecanismo de linguagem das aflições contemporâneas que nas aflições por si sós, isoladas dessa moldura. Ela é, sobretudo, um filme-tipografia, um filme-design. E as verdadeiras questões surgem daí.

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Entrevista: Alê Abreu (O Menino e o Mundo)

O menino

O Menino e o Mundo pode ser um filme triste que te enche de alegria. Ou um filme alegre que te enche de tristeza. Em ambos os casos, essa é uma animação que, entre sentimentos conflitantes, quer falar sobretudo sobre coragem. Sobre um menino que, impávido pequeno, desbrava o mundo para achar a si próprio. Em entrevista com Alê Abreu, descubro então que essa impetuosidade está no cerne do processo em que a animação foi construída. Com um roteiro completamente aberto, se adequando às descobertas de um diretor predisposto ao erro, a “dar com a cara no muro”. Esse arriscado processo, no entanto, explica por que esse é um filme com todas as qualidades da excelência. Feito com cerca de R$ 2 milhões, o novo trabalho de Alê Abreu mostra que novos caminhos são possíveis para a animação no Brasil e, se o povo lá fora estiver atento, no mundo. Confira a conversa:

Você tem um trabalho de animação que, com muita frequência, aborda questões sociais: fala de capitalismo, de aprisionamento… Isso é algo calculado?

Faço dos meus trabalhos um exercício de me colocar na roda com questões que vão surgindo e que vão revelar outras tantas questões. Tento relacionar toda essa confusão que está na minha cabeça da maneira mais sincera e entregue possível. O Menino e o Mundo foi o trabalho que consegui melhor exercitar esse processo. E o que se revela no filme é muito mais relacionado a esse processo do que qualquer ideologia. Muito embora, o próprio processo de trabalho seja, ele mesmo, um pouco ideológico. Meu processo é muito em cima de criar teses e antíteses que trazem sínteses que vão entrar na roda de novo.

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Eduardo Coutinho, para ver e rever. Sempre.

Para que a fumaça dos cigarros que Eduardo Coutinho fumava sem concessões continue a passar diante da gente. Pulmão para o mundo, ele tinha. Para lembrar que olhar não é um verbo que se encerra em si. Exige se desfazer de todos os preconceitos que a imagem finge nos entregar de mão beijada. E se o cinema não é esse exercício, não saberia dizer o que ele é.

Cabra Marcado pra Morrer, 1984

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