Síndrome do Entusiasmo Por Motivos de Séculos de Imposição das Narrativas Patriarcais. Ou, para facilitar a vida, SEMSINP. Se você não é homem branco, heterossexual e cisgênero, certamente já foi alegremente contagiada/o pelo SEMSINP em algum momento desses últimos anos. Em 2017, particularmente, a tal síndrome, facilitada por outro fenômeno conhecido como o “filme-ou-série-tem-que-ver” das redes sociais, manifestou sintomáticas ondas de euforia particularmente entre nós, feministas, que escutamos Jessica Chastain dar textão em Cannes sobre a péssima representação da mulher no cinema e que vimos nascer, finalmente, o primeiro filme da Mulher Maravilha e séries fortemente pautadas pelo debate feminista como Big Little Lies, The Handmaid’s Tale e I Love Dick, todas as três baseadas em livros homônimos escritos por mulheres. Não, pera, escrito por mulheres brancas. Mas vou chegar aí já já.
Sou uma vítima – feliz vítima – da SEMSINP. Para os desavisados, foram séculos e séculos não apenas de sub-representação da mulher, mas de uma representação perversa da mulher na literatura ocidental. O cinema e, depois, a televisão são herdeiras disso. De modo que estamos, sim, na fase do “manda mais Mulher Maravilha que tá pouco” porque na balança da invisibilidade histórica, qualquer cena de uma amazona enfrentando sozinha um exército de homens pesa mais do que vários minutos de mansplaining que o mesmo filme nos dá de presente. Mas porque as leituras vão se acumulando e, sobretudo, as conversas com outras mulheres me dão alguns educados e necessários tapas na cara, simultâneo à euforia, começo a educar meu olhar (ou tentar, ao menos) para perceber situações que, cinco minutos atrás, eu não perceberia.
Eis então porque me parece urgente criar um momento de respiração e apaziguamento dos ânimos, esses sempre tão acirrados nas já citadas redes sociais, para que, nos tempos vindouros, tenhamos não apenas mais filmes e séries dirigidos, roteirizados e protagonizados por mulheres, mas que esses produtos audiovisuais consigam dar conta de toda a complexidade e intersecções que desfaçam essa ideia essencialista e abstrata do “ser mulher” como a mulher branca heterossexual. E agora sim, vamos à premissa central deste texto: as problemáticas questões raciais em duas das séries mais celebradas por nós, feministas, em 2017: The Handmaid’s Tale e Big Little Lies.
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