Aquarius, de Kleber Mendonça Filho

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“Como eu poderia saber que esta cidade foi feita na medida do amor? Como eu poderia saber que você foi feito na medida do meu corpo?”, Ela pergunta em Hiroshima mon amour. No filme de Alain Resnais, é o amor entre duas pessoas o grande arquiteto da cidade, a régua que irá redesenhar, a partir de corpos que se encontram, um espaço marcado por ruínas. As questões que se colocam para a personagem de Emmanuelle Riva ecoam no tempo e no espaço. Com que régua podemos medir nossas cidades hoje? E de que forma o desejo é capaz de riscar, esboçar e planejar nossos espaços urbanos?

Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, é cinema que se move entre essas perguntas e tem a força de fabricar uma possibilidade de resposta: a de que as cidades são feitas na medida da memória que preservamos delas e que, se são as mulheres quem organizam e guardam os álbuns de fotografia da família, se são elas quem ainda procuram pelos ossos perdidos dos filhos mortos pela ditadura no Chile, se são elas as mães da Praça de Maio, se são elas quem não conseguem esquecer, são delas com frequência os corpos mais resistentes à destruição de todo e qualquer espaço erguido pela memória. O que o mais novo filme de KMF faz é ressaltar que esse corpo emocionalmente e fisicamente marcado de uma mulher madura é, ele mesmo, uma frente de combate. Está na mulher a medida de sobrevivência da memória e, portanto, da cidade.

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