:: Filme na programação do Festival do Rio ::
A estranheza que já se encontra no título desse filme é uma daquelas que vai ficando cada vez mais obscura à medida em que você se afasta da história. Em outra palavras, Um Estranho no Lago cresce muito na sua cabeça somente algumas horas, ou dias, depois da sessão. O que por si só já é um mérito do trabalho. O novo longa de Alain Guiraudie finge ser uma história de amor para, na verdade, ser um perturbador suspense. Ou seria o contrário? De qualquer maneira, é um filme que lembra aqueles bons capítulos de Agatha Christie no sentido de usar um crime para alertar sobre disfunções sociais em grupos de pessoas que vivem em aparentes enseadas emocionais.
Enseada esta que, neste caso específico, é muito bem ilustrada pelo lago em questão, um tipo de oásis idílico em algum lugar da França onde homens gays vão tomar banho de sol, nadar e, se possível, fazer sexo com estranhos em um bosque atrás da praia. Franck (Pierre Deladonchamps) é um frequentador habitual desse lago. Em um novo verão, ele conhece um homem mais velho chamado Henri (Patrick d’Assumçao), personagem sempre isolado dos demais por, estranhamente, não ser gay e estar sempre vestido (todos os demais homens são vistos nus). Henri é um homem de poucas palavras, mas percebe em Franck uma companhia agradável e que, ao contrário dos demais, não o julga.
Eis que então entra em cena Michel (Christophe Paou), um tipo que lembra bastante Tom Selleck em Magnum. Franck se apaixona por Michel, mas Michel está acompanhado. As conversas amenas entre Franck e Henri, as suaves braçadas na água e o bosque do sexo descompromissado entre desconhecidos (lembra uma dessas florestas de conto de fadas onde tudo é possível) são elementos que estão em estado de suspensão da realidade, até o momento em que acontece um assassinato no lago.
O crime em questão vai trazer à tona quesitos morais que irão esbarrar diretamente em um sentimento predominante naquele bosque: o tesão. Sim, Um Estranho no Lago é quase um thriller erótico nesse sentido. O sexo, e ele é filmado em close, se torna uma atividade que aniquila escrúpulos. E assim o amor que vem logo em seguida a ele já nasce livre de questionamentos.
O único personagem que foge a essa regra é justamente aquele que não faz sexo: Henri. Cheguei a me perguntar se o fato de ele não ser gay poderia implicar em um moralismo do filme, que delegaria ao homem heterossexual o papel do bom senso e da retidão. Mas não é bem assim. Henri tem mais camadas que isso e em determinado momento sua própria orientação sexual é questionada por ele mesmo. O elemento que de fato o retira da letargia ética é o sexo. E ainda assim, da maneira como Guiraudie filma seus personagens, não é mesmo possível acreditar que o filme apresenta o sexo como o grande vilão da história. Mas não deixa de ser algo a se debater.
É um filme estranho enfim, cujo desfecho em aberto nos deixa ainda mais confusos. E isso é sempre bom.
carol, sou seu mais novo leitor. encontrei o filme na internet e procurei saber o que pensa sobre ele. agora vou assistir kkkk, parabéns pelo blog. beijos saudosos do scarpa