Riocorrente, de Paulo Sacramento

riocorrente

:: Filme na programação da Mostra SP ::

“Tem que começar em algum lugar. Tem que começar em alguma hora. Tem lugar melhor do que este? Tem momento melhor do que agora?”

Riocorrente não é apenas um filme, é também um coquetel molotov. Um que explodiu, partiu o cenário ao redor e me deixou a pergunta: ainda é possível colar os tais caquinhos do velho mundo? Não sei responder, e acho que o filme não procura essa resposta. O que ele quer mesmo é provocar a angústia, o incômodo, nos tirar do lugar do conforto de que as coisas são como são. De que o sistema vai se autogerir sem fissuras ou gritos.

Nesse sentido, Paulo Sacramento faz uma obra tão profética que dá até medo. Quando este filme começou a ser feito, não havia pessoas com cartazes ou máscaras nas ruas das grandes cidades do país, não havia black bloc ou os “baderneiros” e “vândalos” da Globo News. Não que o filme seja sobre isso, até porque não é. Mas em sua montagem muito bem orquestrada sobre essa violência represada com tudo que nos gerencia – do amor ao emprego, do relógio ao trânsito – ele alimenta um mal-estar que só pode mesmo acabar em incêndio.

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O Grande Mestre, de Wong Kar-Wai

Grande Mestre

:: Filme na programação da Mostra SP ::

Kung-fu, arte marcial de duas palavras que, na teoria do protagonista deste filme, criam uma oposição binária. Uma é horizontal. A outra vertical. Em outros termos, quem perde cai. Quem ganha se mantém de pé. O que acontece então se na luta do kung-fu os opostos se atraem? Como fazer deitar seu inimigo se em algum momento você se dá conta de que quer apenas se deitar ao seu lado? Ou que, de pé, deseje erguê-lo para que juntos vocês caminhem para o mesmo lugar?

Quando usa das artes marciais, das guerras e de personagens que realmente existiram, Wong Kar-Wai só quer mesmo falar de amor e, para fazer jus à sua filmografia, será desses tipos de amor impossível. O diretor chinês volta ao cinema seis anos depois de seu último filme em mais uma elegante, e agora também epopeica, operística e neoclássica história entre um homem e uma mulher que se apaixonam. E aqui isso acontece quando eles decidem lutar entre si. O embate de seus corpos será na mesma medida o encaixe deles.

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A Mulher do Policial, de Philip Groening

Mulher do Policial

:: Filme na programação da Mostra SP ::

Pretensioso, enervante e, sim, misógino. Com vocês, o vencedor do Prêmio do Júri em Veneza deste ano. Um filme cujos poucos respiros de câmera não apenas parecem canonizar plasticamente a violência contra a mulher e, por tabela, a absoluta subserviência da figura feminina, como o faz achando que fatiando a narrativa em 59 minúsculas fatias de cenas – Fluência dramática? Pra que? – sua forma poderia ser tão violenta com o público quanto a história é com a tal mulher do policial. Termina que ambos, meio e mensagem, se afogam na presunção de tentar apresentar algo novo.

Para deixar claro: os já citados 59 “capítulos” são todos introduzidos e finalizados com fades e duas legendas entre cada: Fim do capítulo 1, Começo do capítulo 2… E assim por diante em 175 minutos de filme. Alguns desses capítulos registram apenas cenários. A geografia apresentada, seja na floresta ou nas organizadas casas de tijolo aparente, se pretende tão idílica quanto a família do policial, sua mulher e a filha pequena, Clara. Até que no capítulo 9 entendemos que o jovem policial não é exatamente o rapaz da propaganda de margarina.

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