A cidade e as brechas ocupadas

Esse texto foi publicado originalmente no catálogo da Mostra Cinema Brasileiro – Anos 2010 – 10 Olhares, idealizado por Eduardo Valente. A mostra reuniu curadorias que agrupavam filmes brasileiros dos anos 2010 a partir de uma força motriz. A força motriz que usei para fazer esses filmes se encontrarem foi a ideia de ocupação desobediente dos espaços. Para ler os textos de todas as curadorias da mostra, clique aqui.

Quando queriam simbolizar uma cidade, os egípcios desenhavam um círculo e, dentro deste, uma cruz. A imagem representa o ponto de intersecção entre estradas distintas, lugar de cruzamento que atraía mercadores que vinham do Norte, Sul, Leste e Oeste. O conceito de cidade surge, portanto, da ideia de encruzilhada. Na modernidade, essa encruzilhada toma a forma das costuras entre linhas de trem, que levam e trazem a força de trabalho, as quebras espaço-temporais e, não se pode esquecer, que efetivamente apresentam o cinema.

De muitas encruzilhadas se erguem os corpos que fogem e escapam ao automatismo domado das cidades tais como as conhecemos hoje. São corpos-fronteira, borderlands, diria Glória Anzaldúa[1] e simultaneamente bodylands, acrescentaria Alessandra Brandão, ambas dando conta de corpos queers vivendo no entrelugar que comporta tanto a “experiência de opressão quanto o respiro da imagem que a ela escapa”[2]. Gente que faz cruzar dentro de si a sensação de não-pertencimento ao território simbólico imposto pela arquitetura do progresso e o desejo de ocupar esses mesmos territórios nos seus próprios termos, criando brechas por dentro de sutis desobediências.

O cinema contemporâneo brasileiro esteve muito atento nos anos 2010 a fazer visível o mal-estar diante de projetos urbanos desenvolvimentistas e não foram poucos os filmes, das mais distintas metragens e propostas estéticas, que de forma direta ou indireta trouxeram questões do direito à cidade para a psicogeografia de seus mapas. Alguns desses filmes fizeram isso colocando em primeiro plano a presença de corpos excessivos, transbordantes, expressões vivas de encruzilhadas. Corpos que precisam criar desvios para que suas demandas por direito à cidade sejam ao mesmo tempo demandas pelo direito de implodir um modelo de cidade que se funda em projetos patriarcais e, por tabela, heteronormativos, tão bem materializados na verticalização fálica dos horizontes urbanos. O que implica não somente no controle policialesco dos corpos, mas na elaboração de projetos de cidade pensados para segregar tudo aquilo que escapa da norma, tudo que rompe com o pacto do controle pelo medo.

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The Zone of Interest, by Jonathan Glazer

“For every image of the past that is not recognized by the present as one of its own concerns threatens to disappear irretrievably.” Walter Benjamin

1. Some images have the voltage to open up forwards and backwards in time. Perhaps they are the stones thrown by Exu. First, a diagonal shot reveals a cold hall where Commander Rudolf Höss appears to vomit something that is consuming his body from within. There is a cut, and we see the reverse shot of this same space; these shot-reverse shot plays are something the film has used exhaustively until this moment to produce the spatiality of domestic spaces. In the reverse shot, already with his body raised, Höss suddenly becomes aware he is being observed. He gazes at us. Us, the cinema theatre: the dark and submerged hole of History. The forwards and backwards image unfolds like a sheet of paper. Because we must bear in mind that even when the films depict past events, the time period in which they encounter our gaze is always our own. Thus, what we are looking at is inevitably the present time, even if we are being artificially transported back to the diegetic past of history. In The Zone of Interest by Jonathan Glazer, the gesture of breaking with this artifice of immersion into another time is central to the film’s endeavor. Höss looks at us, we who are the present of History. And what is given to us to see from this fracture in time is the Holocaust Museum.

2. In the Holocaust Museum, today, the film reveals a cleansing ritual. The floor is swept, glass is cleaned, dust is vacuumed. Must History be cleaned, or cleared up? Or, even more pointedly to what the film is proposing: how do you sanitize horror?

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Que bom te ver viva, de Lúcia Murat

Esse texto foi publicado originalmente no livro Documentário Brasileiro – 100 filmes essenciais, a Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), que pode ser comprado aqui.

O olhar e o não olhar para a câmera, as curvas e as retas das falas, a narração que tenta se manter impessoal como um mecanismo de proteção já ensinado ao corpo, simultânea à narração que, em algum momento, não sustenta mais essa fortaleza e desaba em um choro que parecia estar há muito tempo cindindo a parede da represa. O enquadramento escolhido para esses relatos está sempre fechado nos rostos das mulheres entrevistadas, mas não há nada, em nenhum dos depoimentos e na maneira como eles são registrados que indique haver ali uma intenção de tornar a experiência da tortura num relato sentimentalista cristalizado em um tempo que passou, mas foi lavado e está, finalmente, “limpo”. Nada é passado em Que bom te ver viva (1989), de Lúcia Murat. Tudo é presente, tudo atravessa. A memória não é um objeto que possa ser guardado e fechado em livros de História. A memória é um corpo vivo que se atualiza seja pelo direito de poder se lembrar, seja pela necessidade de se fabular sobre ela. E o filme de Murat usa ambos os recursos.

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Terrorismo narrativo para bagunçar a matemática da mito máquina*

*Esse texto foi publicado originalmente no catálogo da 2ª edição da Mostra de Cinema Árabe Feminino. Originalmente, ele foi editado em duas colunas paralelas, numa tentativa de simular a estrutura díptica do filme In Vitro. Para lê-lo em sua configuração original, acessem o catálogo aqui.

Possessão é impossibilidade (e, portanto, sempre-já um mito), por Kênia Freitas

É possível possuir a lua? Uma árvore? Uma paisagem? (De volta) Um território expropriado? Um sonho? Um trauma? Memórias coletivas e individuais de uma nação? Em A Space Exodus (Um Êxodo Espacial, Larissa Sansour, 2009), uma bandeira palestina é cravada na lua. Mas quem possui quem quando o filme reencena farsescamente o gesto colonizador cosmológico de Neil Armstrong?
Em Nation Estate (Patrimônio nacional, Larissa Sansour, 2012), é um edifício corporativo que possui toda uma nação ou toda uma nação que possui um edifício corporativo? A reencenação nesse caso se dá na apresentação do território (já despossuído) da Palestina como artifício do biocontrole da “alta vida”. A comida sintética e a paisagem falsa como marcadores da mitologia fundante da geopolítica contemporânea: a soberania do estado nação.
Projetos de possessão que estão de partida fracassados (na ficção fílmica e no mundo). Aos desejos de possuir, as imagens e sons que Sansour cria devolvem deriva absoluta, sem território e sem referências (a palestinauta solta no espaço sideral) e um não-lugar (o elevador, o apartamento, a entrada do edifício-nação esvaziados de qualquer pertença).
“Jerusalém, nós temos um problema”, sem resposta possível.
E uma árvore cresce na terra, uma criança cresce na barriga. Apesar de, ou por causa da, despossessão.

Não negociar o páthos, por Carol Almeida

A Space Odissey. A Space Exodus. A diferença entre a Odisseia e o Êxodo em suas tramas originais nas mitologias greco-romana e judaico-cristã é que a primeira narra o movimento de retorno do herói à sua terra, enquanto o segundo narra o heroísmo de um retorno fictício, pois que a terra para onde se retorna é uma promessa, e não um lugar de onde se partiu. O páthos dos filmes de Larissa Sansour está concentrado na intensidade de uma irmã pária dessas duas narrativas: o Exílio.
Quando o exílio é “congênito”, qual o movimento a ser feito dentro dos filmes? O de retorno a uma terra de onde se partiu? O de saída a uma terra prometida? Nenhum deles. O exílio é o eterno não-lugar, e o não-lugar, para o povo palestino, é uma condição imposta que termina entrando nas veias, produzindo um corpo suspenso no espaço e no tempo: não se consegue voltar, e não se consegue sair.
Se nos dois primeiros filmes da artista o páthos do exílio é manifesto por duas mulheres que se inserem em um espaço amorfo (a Lua de Space Exodus, o edifício corporativo de Nation Estate), nos dois filmes seguintes (In the Future They Ate from the Finest Porcelain e In Vitro) essas mulheres se colocam em um território povoado por uma memória simbólica, carregada de figuras humanas e não-humanas que condensam uma contra-narrativa palestina.
De todas essas figuras, uma chama atenção em ambos os filmes: o círculo escuro. Trata-se de um globo ou de um buraco? Espaço já preenchido ou ainda passível de preenchimento? Seria a própria figuração da Lua, o satélite que se projeta como ilha utópica? Há aí um outro monólito que inaugura uma nova sinfonia de Assim falou Zaratustra.

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Zona de Interesse, de Jonathan Glazer

“Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela.” Walter Benjamin

  1. Algumas imagens têm a voltagem de se abrirem para frente e para trás no tempo. Talvez sejam elas as pedras que Exu atira. Então, primeiro a câmera filma um corredor frio em diagonal onde o comandante Rudolf Höss parece vomitar algo que lhe consome o corpo. Um corte e vemos o contraplano desse mesmo espaço, algo (os jogos de plano e contraplano) que o filme até então elaborou exaustivamente para produzir a espacialidade dos espaços domésticos. No contraplano, já com o corpo erguido, Höss subitamente tem a consciência de estar sendo visto. Ele nos olha. Nós, a sala de cinema: o buraco escuro e submerso da História. A imagem para frente e para trás se abre assim como uma folha. Porque é preciso ter em mente que mesmo quando os filmes são de época, a época em que eles chegam ao nosso olhar é sempre a nossa. Portanto, é inevitavelmente para o presente aquilo que visamos, ainda que artificialmente sejamos transportados para o passado diegético da história. Em Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, o gesto de romper com esse artifício de imersão num tempo outro é central ao empreendimento do filme. Höss nos olha, nós, o presente da História. E o que nos é dado a ver a partir dessa fratura temporal é o Museu do Holocausto. Hoje.
  2. No Museu do Holocausto, hoje, o filme revela um ritual de faxina. Se varre o chão, se limpa os vidros, se aspira o pó. A História precisa ser limpa ou passada a limpo? Ou, ainda mais contundente àquilo que o filme propõe: como se higieniza o horror?
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Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

Bacurau1

Algumas coisas que estão nas imagens e palavras de Bacurau precisam ser vistas e ouvidas com mais atenção. Talvez, a mais crucial das visualizações e verbalizações do filme aconteça quando surge no quadro, aparecendo e desaparecendo no campo como um objeto estranho, de movimento artificial, uma pequena nave espacial. “Parecia um disco voador de filme antigo. Mas era um drone. Fica de olho no céu”, diz Damiano, o morador que primeiro testemunha esse objeto. Não há segundas leituras aí. Não se trata de uma nave espacial. Não se trata de coisa de filme antigo. Se trata de um drone. Não tem alegoria. Ironia – sim – tem – bastante. Mas alegoria não. “Fica de olho no céu”, ele avisa. Levanta o olho para além daquilo que você se acostumou a ver.

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Divino amor, de Gabriel Mascaro

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“Foi Deus quem me deu”. Os adesivos já estão nos carros, esses objetos que pesam, poluem e param no trânsito. Param no drive-thru da fé. “Quem tem fé não tem dúvida”, diz a voz narradora, a criança que nos conta a história de Divino amor, uma voz estranha, incômoda, um desconforto dado que voltará no final do filme como um despreparo nosso diante do que virá. “Quem tem fé não tem dúvida”, diz essa voz. Mas o que ela não diz, e o que está em cena, é que fé nasce da dúvida. É pelas brechas, pelas fendas do coração, no espaço que não se preenche pela razão, que a fé se cola ao corpo. A fé pode preencher o corpo? O pode que um corpo? Spinoza, Nietzsche e Deleuze perguntam. Mbembe responde: o corpo pode morrer pelo Estado. Não apenas assassinado pelo Estado, mas em nome dele.

Necropolítica. Do projeto capitalista-colonial da vigilância e controle dos corpos negros, periféricos, desejantes, incontroláveis, dos corpos que pertencem ao Estado Laico da Igreja, controle dos corpos que passam pela rua, pela quebrada, por hospitais, pelas redes sociais, por postos do INSS e por bancos, sejam eles de dados ou de dinheiro. Controle dos corpos que atravessam os detectores de gravidez, do estado civil heteronormativo, de cesáreas que cortam a carne tão mecanicamente como num açougue, como num despacho de cartório. Não há parto humanizado ou burocracia humanizada. Burocracia humanizada é privilégio. Privilégio é não precisar da fé. É não precisar se sustentar nela para passar a primeira, segunda, terceira, quarta marcha e seguir. Continuar lendo

Democracia em vertigem, de Petra Costa

Democracia em vertigem

Não há vertigem sem a iminência da queda. Não há possibilidade de queda sem ao menos a sensação – ou certeza – do abismo adiante. Portanto, quando se fala em Democracia em vertigem, imediatamente recai sobre o título o peso de estrutura vertical que a palavra “vertigem” carrega. O quão vertiginoso é o precipício em questão? Qual a profundidade do buraco de que se está falando? Percorrer o caminho da vertigem requer, portanto, um mergulho no abismo. E, no entanto, o documentário que surge com esse título sobrevoa a grande cratera democrática sem intenção nenhuma de descer para perto do chão, mantendo-se segura e confortável tal como um controlado e estável voo de drone.

A proposta panorâmica de compilar em duas horas o que se passou no Brasil desde as eleições de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 – concentrando-se mais especificamente nos acontecimentos pós as chamadas Jornadas de Junho de 2013 – dialoga muito bem com uma certa gramática já familiar das redes sociais em criar apontamentos sintéticos atravessados por frases de efeito de poética duvidosa – Lula é descrito, por exemplo, como “um escultor cujo material é a argila humana” –, em que se tenta criar uma comunicação simples e acessível de acontecimentos bastante intricados.

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Breves (muito breves) palavras sobre Carolee Schneemann

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Em 1975, a artista Carolee Schneemann fez aquela que seria lembrada como a sua mais famosa performance, a qual chamo aqui de performance cinematográfica, batizada por ela de Interior Scroll. Schneemann tirou de dentro de sua vagina um rolo de filme onde se lia o texto. O texto era esse:

“Conheci um homem feliz, um cineasta estruturalista
– mas não me chame assim, é outra coisa o que faço –
Ele disse nós gostamos de você, você é encantadora
mas não nos peça pra ver os seus filmes
não podemos
há certos filmes
que não podemos olhar
a desordem pessoal
a persistência de sentimentos
a sensibilidade do toque
a indulgência cotidiana
a bagunça pictórica
a densa gestalt
as técnicas primitivas

(não aceito conselhos
de homens que falam apenas
com eles mesmos)
PRESTEM ATENÇÃO
À LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CRÍTICA E PRÁTICA
ELA EXISTE APENAS E SOMENTE
PARA SERVIR A UM GÊNERO

ele me disse que ele tinha vivido com
uma ‘escultora’, eu perguntei
isso faz de mim uma ‘cinetora‘?

Ah não, pensamos em você como
uma dançarina”

Carolee Schneemann faleceu no último dia 6 de março. Foi ela uma das primeiras pessoas a questionar sobre o que é, de fato, uma imagem pornográfica. Por que caminhos políticos e patriarcais segue o curso dessa palavra e, por tabela, segue o curso daquilo que definimos como… Cinema. O texto acima não é apenas uma referência à uma materialidade outra que tinham seus filmes – sendo o mais famoso deles Fuses (1967) que pode ser visto aqui, mas a uma perspectiva muito instigante sobre o estatuto da imagem em nossas vidas, em nossas formulações do poder viver subjetivamente, a coisas que os ~cineastas estruturalistas~ negam e, nervosos, desviam o olhar. O Interior Scroll que ela tira de dentro de sua vagina é uma aula sobre Cinema e, claro, a História do Cinema.

Prestem atenção em Carolee Schneemann, em Barbara Hammer (nossa mãe sapatão que está se despedindo de nós), em Janie Geiser (com quem tive a oportunidade única de mediar debates no último Olhar de Cinema e que traz um gesto háptico – “a sensibilidade do toque” – poderoso em seus filmes), em Maya Deren (não dá pra falar de cinema experimental sem falar dela), em Akosua Adoma Owusu (agradeço demais ao FestCurtas BH por ter dado oportunidade de assistir a seus filmes desnorteantes), em Shirley Clarke (vamos destruir esses celulóides!), em Germaine Dulac (a fundadora do surrealismo no cinema, sorry Buñuel), em Laura Mulvey (que mesmo na sua obsessão psicanalítica freudiana de gente branca fez muito pelo contracinema feminista) e tantas outras que me escapam agora, porque elas nos escapam e não podem escapar.

Tremor Iê, de Lívia de Paiva e Elena Meirelles (Mostra Tiradentes)

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A respiração é difícil, porque o tempo para respirar parece ser curto demais entre uma onda e outra. Essa onda e a outra e a que vem logo em seguida estão tentando afogar o nosso imaginário. Mas de que imaginário estamos falando aqui? Em Tremor Iê, em que assistimos ao reencontro entre duas mulheres separadas por uma ação violenta contra seus corpos, é possível falar de dois imaginários que estão postos dentro e fora de quadro: o primeiro é circunstancial, diz respeito a um imaginário elaborado a partir de um certo mal-estar, uma sensação de que alguma curva estranha foi feita no país um pouco antes, durante e principalmente depois das chamadas Jornadas de Junho de 2013. De lá pra cá, me parece sintomático que o cinema brasileiro tenha produzido imagens de um desassossego distópico, onde só seria possível lidar com o real a partir de procedimentos artificiais, não somente pela invenção de um presente-futuro especulado a partir de códigos clássicos da ficção científica, como de um regime de atuação que foge várias vezes do naturalismo e parte para pensar os corpos como manifestações dessa artificialidade.

Usando as palavras que Claudia Mesquita escreveu no artigo que ela publicou no catálogo da mostra Brasil Distópico: “A encenação de presentes incertos e a especulação de ‘futuros’ têm se tornado veículo, no cinema brasileiro recente, para figurações distópicas em que a experiência em grandes cidades brasileiras recebe tons sombrios, por vezes pós-apocalípticos. O isolamento espacial, social e político marcam os modos como alguns personagens aparecem em cena, maquinando revoltas, vinganças, intrusões, sem horizonte utópico”. É inevitável que o filme de Lívia de Paiva e Elena Meirelles se localize dentro dessas “figurações distópicas” do cinema brasileiro contemporâneo se pensarmos sobre que nuvens espessas sua imaginação é construída. A própria cidade de Fortaleza, onde o filme se passa, tem sido palco ela mesma de algumas das coreografias mais nonsenses e delirantes do mundo que convencionamos chamar de real, como também de algumas das experimentações mais arriscadas nesse campo da fabulação distópica, a ver, por exemplo, curtas-metragens recentes feitos na cidade como Boca de Loba, de Bárbara Cabeça, Cartuchos de Super Nitendo em Anéis de Saturno, de Leon Reis e, de certa forma, o próprio Antes da encanteria,  das mesmas realizadoras, junto ao coletivo Chá das Cinco.

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