A respiração é difícil, porque o tempo para respirar parece ser curto demais entre uma onda e outra. Essa onda e a outra e a que vem logo em seguida estão tentando afogar o nosso imaginário. Mas de que imaginário estamos falando aqui? Em Tremor Iê, em que assistimos ao reencontro entre duas mulheres separadas por uma ação violenta contra seus corpos, é possível falar de dois imaginários que estão postos dentro e fora de quadro: o primeiro é circunstancial, diz respeito a um imaginário elaborado a partir de um certo mal-estar, uma sensação de que alguma curva estranha foi feita no país um pouco antes, durante e principalmente depois das chamadas Jornadas de Junho de 2013. De lá pra cá, me parece sintomático que o cinema brasileiro tenha produzido imagens de um desassossego distópico, onde só seria possível lidar com o real a partir de procedimentos artificiais, não somente pela invenção de um presente-futuro especulado a partir de códigos clássicos da ficção científica, como de um regime de atuação que foge várias vezes do naturalismo e parte para pensar os corpos como manifestações dessa artificialidade.
Usando as palavras que Claudia Mesquita escreveu no artigo que ela publicou no catálogo da mostra Brasil Distópico: “A encenação de presentes incertos e a especulação de ‘futuros’ têm se tornado veículo, no cinema brasileiro recente, para figurações distópicas em que a experiência em grandes cidades brasileiras recebe tons sombrios, por vezes pós-apocalípticos. O isolamento espacial, social e político marcam os modos como alguns personagens aparecem em cena, maquinando revoltas, vinganças, intrusões, sem horizonte utópico”. É inevitável que o filme de Lívia de Paiva e Elena Meirelles se localize dentro dessas “figurações distópicas” do cinema brasileiro contemporâneo se pensarmos sobre que nuvens espessas sua imaginação é construída. A própria cidade de Fortaleza, onde o filme se passa, tem sido palco ela mesma de algumas das coreografias mais nonsenses e delirantes do mundo que convencionamos chamar de real, como também de algumas das experimentações mais arriscadas nesse campo da fabulação distópica, a ver, por exemplo, curtas-metragens recentes feitos na cidade como Boca de Loba, de Bárbara Cabeça, Cartuchos de Super Nitendo em Anéis de Saturno, de Leon Reis e, de certa forma, o próprio Antes da encanteria, das mesmas realizadoras, junto ao coletivo Chá das Cinco.