Breves (muito breves) palavras sobre Carolee Schneemann

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Em 1975, a artista Carolee Schneemann fez aquela que seria lembrada como a sua mais famosa performance, a qual chamo aqui de performance cinematográfica, batizada por ela de Interior Scroll. Schneemann tirou de dentro de sua vagina um rolo de filme onde se lia o texto. O texto era esse:

“Conheci um homem feliz, um cineasta estruturalista
– mas não me chame assim, é outra coisa o que faço –
Ele disse nós gostamos de você, você é encantadora
mas não nos peça pra ver os seus filmes
não podemos
há certos filmes
que não podemos olhar
a desordem pessoal
a persistência de sentimentos
a sensibilidade do toque
a indulgência cotidiana
a bagunça pictórica
a densa gestalt
as técnicas primitivas

(não aceito conselhos
de homens que falam apenas
com eles mesmos)
PRESTEM ATENÇÃO
À LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA CRÍTICA E PRÁTICA
ELA EXISTE APENAS E SOMENTE
PARA SERVIR A UM GÊNERO

ele me disse que ele tinha vivido com
uma ‘escultora’, eu perguntei
isso faz de mim uma ‘cinetora‘?

Ah não, pensamos em você como
uma dançarina”

Carolee Schneemann faleceu no último dia 6 de março. Foi ela uma das primeiras pessoas a questionar sobre o que é, de fato, uma imagem pornográfica. Por que caminhos políticos e patriarcais segue o curso dessa palavra e, por tabela, segue o curso daquilo que definimos como… Cinema. O texto acima não é apenas uma referência à uma materialidade outra que tinham seus filmes – sendo o mais famoso deles Fuses (1967) que pode ser visto aqui, mas a uma perspectiva muito instigante sobre o estatuto da imagem em nossas vidas, em nossas formulações do poder viver subjetivamente, a coisas que os ~cineastas estruturalistas~ negam e, nervosos, desviam o olhar. O Interior Scroll que ela tira de dentro de sua vagina é uma aula sobre Cinema e, claro, a História do Cinema.

Prestem atenção em Carolee Schneemann, em Barbara Hammer (nossa mãe sapatão que está se despedindo de nós), em Janie Geiser (com quem tive a oportunidade única de mediar debates no último Olhar de Cinema e que traz um gesto háptico – “a sensibilidade do toque” – poderoso em seus filmes), em Maya Deren (não dá pra falar de cinema experimental sem falar dela), em Akosua Adoma Owusu (agradeço demais ao FestCurtas BH por ter dado oportunidade de assistir a seus filmes desnorteantes), em Shirley Clarke (vamos destruir esses celulóides!), em Germaine Dulac (a fundadora do surrealismo no cinema, sorry Buñuel), em Laura Mulvey (que mesmo na sua obsessão psicanalítica freudiana de gente branca fez muito pelo contracinema feminista) e tantas outras que me escapam agora, porque elas nos escapam e não podem escapar.

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