O dia que te conheci, de André Novais

Zeca e Luisa pouco se preocupam com isso, mas em linguagem de cinema, sempre houve uma disputa em torno das produções de sentido dos planos-sequência. Zeca e Luisa estão indo tomar uma cerveja. Mas nós que assistimos aos dois se movendo na cidade à noite sem que qualquer corte interrompa essa caminhada, estamos diante de um desses momentos em que a linguagem cinematográfica impõe suas encruzilhadas de controle do tempo-espaço a partir da suspensão dessas duas categorias – tempo e espaço – como uma forma de nos conduzir à indescritível sensação de gravidade zero em qualquer princípio, ainda que tímido, de apaixonamento.

Primeiro porque a sequência em questão é o ponto em que o passado e o futuro dos personagens se encontram no marco fundador de qualquer relacionamento – o nervosismo excitante do encontro com o desconhecido e o desejo silencioso de conhecê-lo um pouco mais. Mas também porque ela definitivamente rompe com a ideia do plano-sequência a serviço de uma estrutura realista do cinema moderno, para se aliar a algo que o cinema contemporâneo investe já há algum tempo, que é usar essa estratégia como um recurso do artifício, do maravilhoso, da violação com os próprios códigos da narratividade.

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Cinco road movies que me (co)movem

Poucas vezes lembramos disso, mas o o fato é que a palavra “emoção” carrega em sua etimologia a própria noção de movimento dentro dela. E-moção é aquilo que nos co-move. Sua raiz está na palavra em latim emovere, que significa “mover de dentro para fora” ou ainda “entrar em contato”. O cinema, a arte das imagens em movimento e do nosso contato-atrito com essas mesmas imagens, é simultaneamente a arte das imagens que nos movem. (Co)mover-se, como um trem chegando na estação, está na gênese material e imaterial do cinema, e não há gênero cinematográfico que melhor capta essa natureza do que os road movies. Eis aqui uma humilde seleção de cinco desses filmes que me levam junto na viagem e que, talvez, não sejam lidos originalmente dentro desse segmento específico.

The Living End, de Gregg Araki – O cowboy urbano gay nunca acende o cigarro. Interessa a ele menos a fumaça do que a possibilidade de ser ele mesmo a performance da combustão. Mike é seu nome. Niilista, anarquista ou um rebelde sem causa emulando James Dean? Não se sabe. O que se sabe é que Mike era soropositivo no começo dos anos 1990 e, depois de cruzar com Craig, um frustrado crítico de cinema também soropositivo, eles pegam a estrada e se pegam. Tudo ao redor é árido, mas enquanto o pé está no acelerador, há sempre um movimento e o movimento, nos lembra o cinema, indica vida. Tudo que não interessa a esses dois jovens é a chegada, o ponto morto do carro, indicativo de que a doença venceu. Então quando Mike e Craig chegam a algum lugar é para o mar, lugar de eterno movimento, que eles vão. Um dos road movies mais negligenciados da história do cinema. Assim como aqueles homens e seus desejos também foram.

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