:: Filme na programação da Mostra SP ::
Avanti Popolo é um filme sobre o tempo. Que parou, que se arrasta, que acelera, que se pudesse voltar atrás… O tempo que a gente não queria que tivesse passado. Tampouco fosse presente. Mas ali está, sentado no meio da sala, o tempo.
Os dois personagens que contracenam com ele representam a memória. Um deles, o pai, nega luz ao tempo e mantém as janelas fechadas. É a memória imobilizada. Já o outro, o filho, não se importa em iluminar esse mesmo tempo e tentar de alguma forma tirar dele o pó com que seu pai fez questão de vesti-lo. Paradoxalmente, é um personagem desleixado com seu próprio tempo, sem perspectiva de futuro. É a memória em tentativa de construção.
Avanti Popolo é um filme sobre o tempo que damos ao tempo. E faz todo sentido que isso sirva para falar da ditadura no Brasil. Um período de nossa história que só muito recentemente a cinematografia nacional tem conseguido lidar com um pouco mais de delicadeza e introspecção e um pouco menos de pirotecnia. Aqui, ela surge na imagem de um filho/irmão perdido em restos de filmes 8mm, sujeito cujos últimos registros são imagens suas quando em exílio na então União Soviética.
O diretor Michael Wahrmann chega a esse resultado usando dos recursos mais simples e despretensiosos. Com exceção do plano sequência de abertura, quando acompanhamos em câmera subjetiva os movimentos de um carro a passear por algum subúrbio urbano e de um momento em que, mais uma vez dentro de um carro, vemos um dos protagonistas interagir com um taxista que coleciona hinos de países, ele fixa sua atenção em um tripé montado numa sala. Em foco, tapetes, sofá, quadros, parede desbotada, tudo cheira a mofo. Cinema 4D.
Os cenários não se expandem muito para além dessa casa por onde os dois protagonistas e um cão chamado Baleia (nem precisava tanto) passam. Com o filho desocupado e quarentão (André Gatti), o pai ranzinza e teimoso (“Carlão” Reichenbach, em seu último trabalho no cinema) e a narração seca e bibliotecária dos filmes em 8mm, Avanti Popolo já dá conta de todo o cansaço que é viver sob a sombra de uma outra ditadura que se instalou no Brasil após a queda do Regime Militar: a do esquecimento.
As demais situações e personagens que surgem no filme são pontuações irônicas/melancólicas sobre um certo torpor que é político, mas também é pessoal: tais como o já citado colecionador de hinos ufanistas, o homem que conserta um projetor 8mm e criou um movimento chamado Dogma 2002 do qual ele é o único representante ou o momento em que o filho interpretado por Gatti resolve escutar uns vinis perdidos na casa de seu pai.
E tudo isso só me lembra Buñuel que, ao começar a sofrer de amnésia, escreve em sua autobiografia: “Precisamos começar a perder a memória, ainda que gradativamente, para nos darmos conta de que é essa memória que constitui nossa vida”.
Avanti Popolo nos diz que, mesmo quando a memória falha, é preciso tentar cantar a música até o final.