:: Filme na programação da Mostra SP ::
O clímax do filme acontece logo no começo dele. Mas não sabemos disso. Trata-se de uma cena que aparenta ser uma como outra qualquer. Revisitada no fim da história, agora com a câmera olhando para o outro lado do ambiente, entendemos como o primeiro longa-metragem de Fernando Coimbra é hábil em conter a tensão que, inevitavelmente, irá explodir em algum momento. Num incrível trabalho de montagem que parece ter sido milimetricamente calculado por outro incrível trabalho de roteiro, O Lobo Atrás da Porta sabe inspirar e expirar na hora certa, seu controle de tempo é admirável. E Coimbra faz com isso um filme de gênero, um que não tem tanta tradição no cinema nacional, o suspense policial.
Inspirado numa história real, ainda que o diretor admita ter tomado várias decisões narrativas que fogem ao fato original, o filme parte de uma mãe, vivida por Fabíula Nascimento, que vai buscar sua filha na creche e quando lá chega descobre que a menina foi embora com uma “vizinha”. O caso do desaparecimento da criança logo vai para a delegacia e de lá, a partir dos interrogatórios, vamos aos poucos entendendo quem é quem na trama e o que aconteceu até ali. Existem dois pontos de vistas em flashbacks distintos. Um é narrado sob a perspectiva do pai da menina, Milhem Cortaz, e outro terá como depoente a amante dele, mais uma interpretação de tirar o fôlego de Leandra Leal.
A questão do ponto de vista é central ao roteiro do filme. Sem precisar recorrer à câmera subjetiva, ele se preocupa em reconstruir a história a partir do que cada um dos dois narradores principais irão apresentar em depoimento ao delegado (Juliano Cazarré). E não, não há voz narrativa no filme servindo de encosto para a narrativa.
O que vemos no desenrolar desses flashbacks é um encaixe de um quebra-cabeças. No seu cerne, um homem e uma mulher que embarcaram numa relação amorosa sem qualquer cinto de segurança (como se alguma relação desse tipo pudesse ter essa precaução). O fato aqui é que, em algum momento, o freio vai falhar para ambas as partes envolvidas e essa ausência de domínio sobre a situação, que é mútua, irá desembocar no fato que dá princípio ao filme.
Com um texto muito bem cuidado e atores afinadíssimos, o filme de Coimbra se descasca à medida em que seus três personagens centrais se revelam. A construção de caráter da mãe, do pai e da amante é o eixo da história. Tendo o diretor também uma formação como ator, sua atenção aos respiros e silêncios de cada um em cena é essencial para que a ansiedade alcance níveis altos no gráfico. E mesmo com as várias marcações de cena que sua câmera exige – todos os enquadramentos e movimentos são muito bem pensados – Coimbra não engessa seus personagens e dá a eles o poder de guiar nossa pressão arterial. Filme refinadamente nervoso.