:: Filme na programação da Mostra SP ::
E aquela articulação entre tempo e espaço, por onde anda essa velha amiga? É a pergunta que Godard se faz naquele que, de longe, é o melhor entre os três curtas a criar ensaios sobre o cinema 3D, suas possibilidades, limites e, acima de tudo, como bem pontuaria o sempre anarquista diretor francês, a “ditadura do digital” que se ergue no horizonte.
Narrado pelo próprio Godard (e ele aparece brevemente em um superclose nervoso), o curta parece ser um aperitivo do que vem aí no próximo filme do diretor, filmado em 3D: Adieu au Langage. Em bom português: Adeus à Linguagem. Não precisa dizer que Os Três Desastres, nome de seu mais recente experimento, se faz de um discurso apocalíptico que prenuncia um cinema 2D relegado, fisicamente e metaforicamente, à sombra.
Usando imagens de clássicos hollywoodianos e de recentes filmes em 3D, desde bobagens como Premonição 5 a tentativas mais elaboradas como a Caverna dos Sonhos Esquecidos, de Werner Herzog e Pina 3D, de Wim Wenders, o diretor faz uma montagem que chega a ser irônica, sem nunca deixar de provocar um desconforto moral do cinema com ele mesmo. O uso das câmeras estereoscópicas que filmam a si próprias diante de um espelho nos dará a sensação real (real?) de que existe algo de errado no reino da imagem. E nem precisa ter muita referência assim para sentir esse incômodo: o movimento dessas câmeras irá mais de uma vez nos passar a sensação de que tem algo fora do lugar em nossos óculos 3D.
Os outros dois filmes do pacote deixam a desejar. O de Greenaway é um exercício da técnica e da forma. Sua conhecida obsessão pelas múltiplas telas acha no 3D um parque de diversões. É o único dos três filmes que faz menção à cidade que patrocinou esse prejeto – 3x3D é capitaneado pela prefeitura de Guimaraes, cidade portuguesa eleita Capital Europeia da Cultura em 2012. Pela geografia do lugar, Greenaway cria planos sequências que, em vários momentos, pelo excessivo uso de palavras como objetos de cena, parecem mais uma visita guiada pelo Museu da Língua Portuguesa (com palavras em inglês, claro).
Já o filme de Edgar Pêra é o “engraçadinho” no meio do caminho. Faz referências óbvias à história do próprio cinema – o trem 3D dos irmãos Lumière invadindo o espaço da plateia – e cria conceitos como “cinesapiens” para tentar invocar bastante rasamente questões que Godard coloca em outro nível de debate. Vale por umas duas ou três piadas e por uma cena de casamento entre “cinéfilos” cujo matrimônio será para sempre uma sessão de cinema.