Jogos Vorazes – Em Chamas, de Francis Lawrence

hunger games

A heroína dessa história, símbolo maior da revolução que nasce contra o sistema, tem salientes bochechas e dois namorados. Ela está de bem com seu semblante renascentista e eles estão de boa em dividir os beijos da moça. Pra quem vinha de uma série adolescente machista e antiquada como a saga Crepúsculo e seus vampiros vegetarianos, a franquia Jogos Vorazes chega a ser um respiro de alívio. Talvez agora meninas do mundo inteiro possam entender que, muito melhor que arrumar um casamento pra eternidade (500 anos depois, Bella continuaria lavando a cueca de Edward) é ser musa de uma revolução social sem se preocupar com dietas e, de quebra, usufruindo da glória de ser uma Dona Flor em tenra idade.

Somente por isso esse filme já ganha pontos na minha milhagem. E sim, estou julgando a obra antes pelo efeito que ela pode ter em seu público alvo de adolescentes do que pelo que realmente ela apresenta enquanto entretenimento e alguma faísca de reflexão pós movimentos occupy isso e occupy aquilo. Quanto ao filme em si, vamos aos fatos.

No segundo título da saga, já devidamente apresentados ao cenário distópico de um mundo dividido em distritos que não se comunicam entre si e são aparentemente classificados numa combinação de seus respectivos PIBs versus cor da pele, vamos novamente assistir a mais uma temporada do reality show promovido pelo presidente desse território, um em que crianças e adolescentes são obrigados a se matar para ganhar sobreviver ao jogo. E aquilo que no primeiro filme se apresentava como uma centelha da rebelião que nasceria contra o regime totalitário a partir da vitória de uma menina que se recusou a matar seu companheiro de distrito, surge nesse segundo filme como o tema maior. A faísca começa a tomar forma de chama.

Nesse novo filme, Katniss e Peeta, vencedores dos últimos “jogos vorazes”, precisam representar o papel de casal feliz em nome de uma ideologia da conformação social. Quando, por convicções maiores, começam a falhar nesse teatro montado pelo governo, os dois serão obrigados novamente a participar de mais uma edição do reality show ao qual sobreviveram. Agora, as regras e o cenário são outros. Eles terão que competir com outros vitoriosos jogadores de edições passadas.

Eis então que o maior mérito do filme se torna também sua maior fraqueza. Ao construir as associações entre esse ambiente futurístico e a realidade do capitalismo financeiro falido em que vivemos, o roteiro deixa claro que não está para mensagens subliminares ou figuras de linguagem mais rebuscadas. Toda analogia entre a ficção e a realidade é grotescamente óbvia. Casamentos falsos e contratuais entre celebridades, programas de TV que servem como escapismo, riqueza concentrada nas mãos de 1% da humanidade, invasões bélicas despropositais em territórios pobres e, finalmente, a manipulação ideológica do povo, todos os itens estão devidamente mencionados no filme em grifo de caneta marca texto. Excelente para a geração pouco dada a juntar lé com cré. Mas ironicamente manipuladora ela mesma de um público que o roteiro, de largada, parece subestimar.

Porque entre tentar criar Katniss como uma nova “V” de Vingança da cultura pop e mostrar as cenas de ação que chamam um público indistinto ao cinema, Francis Lawrence, diretor de videoclipes e filmes como Constantine e Eu Sou a Lenda, opta por pesar a mão na segunda atividade. E tome CGI e situações bizarras no meio da selva. Os personagens de segundo plano, leia-se os demais jogadores que não Katniss e Peeta, são alegorias mal costuradas. Nessa brincadeira, chegam até a desperdiçar bons atores como Jeffrey Wright.

De qualquer modo, a protagonista Katniss Everdeen, vivida pela sempre excelente Jennifer Lawrence, é um alento quase feminista em um gênero tão dedicado à soberania masculina. E é curioso ver a construção dessa personagem. A princípio, ela não se enxerga como uma pessoa política. Chega mesmo a ser socialmente egoísta em um momento do filme quando diz que quer fugir de tudo aquilo. Sua aptidão para a revolução não exatamente nasce dela, mas de sua percepção do olhar do outro. Ao entender que as pessoas a projetam como símbolo maior de um levante, ela vai começar a jogar o jogo do jeito certo. Os próximos diretores – porque sim, ainda haverá mais dois filmes da saga – precisam entender que com ela em cena e todas as discussões que sua personagem pode render, Jogos Vorazes cresce. Acompanhemos.

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