Não são poucos os realizadores brasileiros que nesses últimos anos têm explorado, com bem sucedida desenvoltura na direção de atores, a passagem narrativamente fecunda da adolescência para trabalhar com as descobertas dos primeiros conflitos existenciais e hormonais do ser humano. Com frequência, esses filmes se utilizam do ambiente escolar como um cenário inevitável (ainda que não central) para a construção dessa identidade que se ergue num espaço coletivo. Acontece com As melhores coisas do mundo, de Laís Bodansky, Hoje eu quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro, Depois da chuva, de Cláudio Marques e Marília Hughes e Casa Grande, de Felipe Barbosa.
Mas Ausência, segundo longa de Chico Teixeira, tenta fugir um pouco desse circuito entre a escola e a sociabilidade fora dela. E termina por achar um caminho diferente, que dialoga um pouco com o que Marcelo Lordello fez com Eles voltam, no sentido de lidar com questões de amadurecimento quando elas são mais profundamente afetadas por outros estímulos externos, sendo o maior deles a estrutura familiar que cerca o adolescente protagonista.
Tal como em seu primeiro longa, A casa de Alice, Teixeira volta aqui a se cercar tanto desses elementos próprios vividos entre as paredes da arquitetura doméstica quanto da inserção desse núcleo em um subúrbio urbano, onde as relações ainda são mediadas por um certo sentido de comunidade. Na primeira sequência, acompanhamos um carreto de mudança chegar a uma casa, onde um homem vai retirar o que ainda lhe pertence naquele ambiente. Essa é a primeira e única vez em que o pai do adolescente protagonista surge em cena. Ele aparece apenas para ir embora.
A ausência à qual o título faz referência pode ser interpretada em um primeiro momento como esse afastamento da figura paterna, num movimento rápido e seco de pegar as roupas e deixar a TV “porque os meninos jogam videogame”. Mas o filme trabalha muito mais na ideia de que a ausência é um lugar de onde a própria adolescência, em sua estrutura de lacunas e dúvidas, nunca consegue, de fato, se ver livre. O filme de Teixeira ganha quando explora esse ambiente usando a inadequação e a descoberta da sexualidade a partir de um menino que precisa, por força de um pai distante, uma mãe alcoólatra (Gilda Nomacce, sempre uma presença que confere um grave dramático às cenas) e um irmão mais novo indefeso, fingir preencher todas as fissuras internas e externas a ele.
O que se vê então é um personagem que assume o papel da presença, cuidando da mãe e do irmão em casa, trabalhando na feira livre, dando carona pro amigo na bicicleta. Serginho carrega todos. O único momento em que ele demonstra não ter esse compulsório estado de responsabilidade adulta acontece em suas passagens pelo apartamento de um professor (mais uma vez o ambiente doméstico se mostra o território de domínio maior do diretor), em cenas que em princípio sugerem, e depois explicitam, uma relação afetiva entre aluno e mentor para além da necessidade que o menino tem de uma figura paterna. Há também uma tensão sexual muito bem trabalhada nos olhares rápidos e suspiros de Irandhir Santos e na ingenuidade de um menino a quem não se permitiu ser ingênuo. Matheus Fagundes, o ator que interpreta Serginho, vai muito bem nesse jogo duplo entre se mostrar forte e frágil sem perder o tom do personagem.
Com um roteiro propositadamente cheio de hiatos – a causa da separação entre seus pais, o alcoolismo da mãe e mesmo a origem da relação entre professor e aluno, nada disso é explicado – cria no espectador uma sensação de desorientação que é medular ao protagonista. O filme sobra na construção dessa atmosfera simultaneamente desoladora, excitante e carregada de dúvidas dessa fase da vida. Peca somente no momento em que se vê encurralado a dar um desfecho redentor e lírico a um personagem que não precisava ceder à fórmula fácil da fuga como solução de todos os seus problemas. De todo modo, a resolução final do menino não tira desse novo filme de Chico Teixeira sua virtude em lidar com a adolescência sem perder a ternura.