Salas de cinema no Brasil em: Sintomas do Classe Média Sofre

Dia desses o Flavorwire fez uma compilação das salas de cinemas mais suntuosas e bonitas dos Estados Unidos, algumas assustadoramente belas como esta aqui na cidade de Orinda, Califórnia…

Orinda-Theater

…e me ocorreu que, assim como os carros que viraram todos cinzas e os prédios que de tão “modernos” começaram a se parecer todos “fábricas” (AO REDOR, O Som.), a arquitetura de nossas salas de cinema hoje serve como um excelente recorte do quão asséptico pode ser isso que as pessoas costumam chamar de modernidade, desenvolvimento e coisa e tal. E o fato é que nos acostumamos à assepsia e nos curvamos às normas do tal controle de qualidade. Uma massa de pessoas que se move na sinfonia da ABNT.

Ou vai dizer aí que ninguém gosta das cadeiras confortáveis e acolchoadas e do espaço para colocar o copo gigante de refrigerante? Sem mencionar as tais salas “prime” em que é possível tudo: dormir, almoçar, comer pipocas trufadas e até mesmo, vejam só, assistir a um filme. Modelos de cinema padronizados por grandes redes que, via de regra, se instalam em shoppings e respondem ao padrão shopping da estética de cabine de avião: incolor, inodora, mecânica e pressurizada.

No Brasil, hoje são poucas as salas que sobreviveram com suas decorações barrocas, cortinas vermelhas sobre a tela, escadarias no hall, piso com revestimento em mármore e aquele cheirinho de mofo história. Espaços contemplativos e ornados para te fazer lembrar que aquilo não poderia ser mais nada além de um cinema.

Meu ponto? A arquitetura do insípido vem sorrateiramente destruindo a ideia de que uma sala de cinema é um sala de… cinema! Salvo raras exceções, esses espaços são construidos para ser tão qualquer coisa que, uma vez dentro deles, as pessoas se sentem confortáveis o suficiente para se comportar como se estivessem em qualquer outro lugar. O filme em cena deixa de ser a razão daquele ambiente para se tornar um benefício extra. De outra forma, impossível explicar como as pessoas se sentem tão à vontade para conversar, trocar mensagens de celular e checar o Facebook enquanto assistem (assistem?) ao filme.

O exercício de ir ao cinema está deixando de ser um fim em si mesmo. Estou longe de afirmar que a arquitetura das salas é a grande culpada por isso, mas creio que essas construções são sintomáticas desse estado de letargia.

Aliás, na linguagem do mercado, há muito já não se fala em “salas de cinema”, mas sim em “salas de exibição”. Significa.

E se o arquiteto, como diria Frank Lloyd Wright, é o grande poeta intérprete de seu tempo, então somos todos versos duros e, mais do que nunca, concretos.

Obs. 1: Em um levantamento wikipédico básico, constata-se que, por exemplo, no estado que mais tem salas de cinema deste país, São Paulo, apenas 5% dessas salas estão fora de shoppings e outros grandes centros de consumo tais como… supermercados :/ E do total das quase 1500 salas catalogadas no Brasil inteiro, apenas 7% delas não se encontram dentro desses mesmos shoppings centers (em tempo: o estado com maior percentual de cinemas fora desse modelo é o Rio de Janeiro, com mais de 15% de salas de bairro).

Obs. 2: Ave Cinema São Luiz, do meu Hellcife.

Sao Luiz

3 respostas em “Salas de cinema no Brasil em: Sintomas do Classe Média Sofre

  1. tô terminando essa semana o meu projeto final do curso de arquitetura.. e é um cinema de rua! minha pesquisa – temos q entregar uma monografia antes do projeto – foi principalmente baseada no histórico sobre a saída dos cinemas das ruas no brasil! apesar de não concordar com tudo que você diz – principalmente pq acho a assepsia da sala de cinema super importante para o aproveitamento total do filme, que é o evento (ou devia ser, né) – acho super bacana ver esse tema sendo discutido (:

    • Oi Mariana, que lindo encontrar gente trabalhando com o tema. E sim, acredito que a assepsia da sala de cinema ajuda a absorver melhor qualquer filme. Minha questão é: essa arquitetura colabora também para a diluição da experiência de “estar” dentro de uma sala de cinema. E o fato delas serem localizadas quase todas dentro de shopping centers ajuda a esfarelar ainda mais essa experiência. Estou falando de algo bastante intangível. Mas creio que essa padronização geral dos ambientes que nos cercam (mesmas cores, mesmos cheiros) ajuda de uma maneira inconsciente para que as pessoas gradualmente percam um certo paladar da consciência de espaço.

      • Creio que não podemos confundir os fatores. O cuidado arquitetônico e as regras que devem ser seguidas para garantir que de qualquer lugar da sala o espectador tenha a melhor visão possível da tela, sem ter qualquer elemento visual que possa quebrar sua ligação sensorial com o filme, ou seja, cuidados para que a sala de cinema tenha as características que garantam prender que a atenção o espectador no filme projetado na tela, não pode ser responsabilizado pelas estratégias dos exibidores para aferir cada vez mais receita e lucro. com estratégias para levar o frequentador das salas a consumirem outros produtos – na defesa de um Interesse legítimo deles, enquanto comerciantes que são – .

        Também não pode ser responsabilizado pela falta de educação das pessoas que frequentam essas salas. Afinal, todas as críticas que você relaciona ao público são de ordem comportamental diretamente ligadas a falta de educação. Falar alto, ficar com o celular ligado, recebendo e mandando mensagens, etc tal, e quando falo de falta de edução, estou falando em sentido amplo. Não apenas no que diz respeito a convenções sociais, ou o respeito básico ao próximo , que compartilha o mesmo ambiente, mas também com relação a
        terem tido acesso às informações básicas sobre cinema, que seriam capazes de construir nesse público um real interesse pelo cinema, sendo capaz de apreciar o filme enquanto obra de arte e poder ter uma relação mais ampla com essa experiência, não se limitando apenas a vivenciar as sensações sensoriais provocadas pela obra projetada numa sala adequada a cumprir sua função de permitir que o filme provoque as sensações propostas pelo diretor no expectador, mas ampliando sua capacidade de apreciação do filme e portanto seu interesse pela obra, o que sem dúvida contribuiria para que ele estivesse mais atento e fosse, ou parecesse mais educado, no sentido estrito.
        Pense nisso, um abraço;

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