Poucas vezes lembramos disso, mas o o fato é que a palavra “emoção” carrega em sua etimologia a própria noção de movimento dentro dela. E-moção é aquilo que nos co-move. Sua raiz está na palavra em latim emovere, que significa “mover de dentro para fora” ou ainda “entrar em contato”. O cinema, a arte das imagens em movimento e do nosso contato-atrito com essas mesmas imagens, é simultaneamente a arte das imagens que nos movem. (Co)mover-se, como um trem chegando na estação, está na gênese material e imaterial do cinema, e não há gênero cinematográfico que melhor capta essa natureza do que os road movies. Eis aqui uma humilde seleção de cinco desses filmes que me levam junto na viagem e que, talvez, não sejam lidos originalmente dentro desse segmento específico.

The Living End, de Gregg Araki – O cowboy urbano gay nunca acende o cigarro. Interessa a ele menos a fumaça do que a possibilidade de ser ele mesmo a performance da combustão. Mike é seu nome. Niilista, anarquista ou um rebelde sem causa emulando James Dean? Não se sabe. O que se sabe é que Mike era soropositivo no começo dos anos 1990 e, depois de cruzar com Craig, um frustrado crítico de cinema também soropositivo, eles pegam a estrada e se pegam. Tudo ao redor é árido, mas enquanto o pé está no acelerador, há sempre um movimento e o movimento, nos lembra o cinema, indica vida. Tudo que não interessa a esses dois jovens é a chegada, o ponto morto do carro, indicativo de que a doença venceu. Então quando Mike e Craig chegam a algum lugar é para o mar, lugar de eterno movimento, que eles vão. Um dos road movies mais negligenciados da história do cinema. Assim como aqueles homens e seus desejos também foram.

Paris, Texas, de Wim Wenders – Um filme sobre os vazios de dentro, os vazios de fora e os versos que se criam nessa relação. A estrada promete o caminho de volta, o retorno à civilização, à linguagem. Mas Travis parece ter engolido aquela amplitude dos desertos da Califórnia, tão bem fotografada por Robby Müller, e guardado toda ela dentro de si. Quando ele finalmente “retorna”, decide que é preciso pegar essa estrada novamente, fazer outros caminhos. Ao lado do filho que abandonou, ele parte para achar a mulher, mãe da criança. E é então nessa viagem que terminamos por descobrir que quem queria fugir, quem sempre quis pegar a estrada, era essa mulher. Mas esse homem, que a acorrentava, não permitia. No entanto, a ele é dado a possibilidade do vazio existencial que se funde à paisagem externa. A ela, foi dada uma cabine onde nunca se podia olhar para fora.

Carol, de Todd Haynes – Carol diz: “Eu estou indo pra longe por um tempo.” Therese pergunta: “Quando? Pra onde?” Carol responde: “Pra onde meu carro me levar. Pro Oeste.” Pouco se fala, mas um dos mais celebrados “filmes lésbicos” (entre aspas porque a denominação em si é cercada de outras histórias) de todos os tempos, dirigido com maestria por quem passou boa parte da vida assistindo a clássicos românticos da chamada “era de ouro” hollywoodiana, é um autêntico road movie. Todd Haynes, o diretor, ele mesmo um homem gay, é familiar ao conceito daquilo que Carol deixa revelar em seu desejo de viagem: Oeste. “Go West”, diria a música. Oeste, o lugar onde elas poderiam ser livres. Therese, claro, vai junto. Se o Oeste é um caminho possível para Carol, Carol é o único caminho possível para Therese.

Thelma & Louise, de Ridley Scott – Entre alguma cidade suburbana do Arkansas até os grandes cânions do Arizona, duas mulheres dentro de um conversível cruzando os Estados Unidos se tornam uma ameaça ao mundo dos homens. Quando elas decidem “sair pra pescar” e terminam descobrindo na estrada que durante toda a vida foram usadas de iscas, Thelma e Louise resolvem tomar o controle da situação. É especialmente bonito ver como o cinema abre a paisagem de dentro dessas duas amigas e transforma tudo ao redor em uma extensão desse desejo pulsante que elas têm de se expandirem. Mas é particularmente arrebatador ver como esse mesmo cinema consegue reverter a lei da gravidade para que duas mulheres possam viver para sempre dentro de um salto sem queda.

Corrida sem fim, de Monte Hellman – O Piloto, o Mecânico e a Garota. É assim que os personagens centrais dessa história são descritos. A não nomeação deles é também a recusa em moralizar jornadas de autoconhecimento. Nada aqui indica que essas três pessoas caminham rumo a alguma coisa, qualquer que seja. Mesmo quando encontram outro personagem sem nome próprio, apenas uma sigla (G.T.O.), e decidem apostar com um ele uma corrida até Washington DC, o destino final nunca parece ser algo, de fato, importante. O que interessa aqui é a circularidade autorreferente dos carros, das corridas, da famosa Rota 66, dos motores e gasolinas, como se os sons de todos os elementos fossem mais valiosos que qualquer conversa. Uma existência inteira dedicada ao percurso como um fim em si mesmo.
Esse texto foi publicado originalmente na revista Intrínsecos n. 45, da editora Intrínseca, em junho de 2022. A lista de filmes foi pedida pela editora em como uma tentativa de dialogar com o livro A estrada Lincoln, de Amor Towles, que estava sendo lançado pela mesma na época.